Terceiro encontro da segunda temporada do Çirculação da Balbúrdia foi realizado pela EFoP em 10 de setembro de 2020 a partir do ensaio: “Uma esquerda marxista fora do lugar: pensamento adstringido e a luta de classe e raça no Brasil”
No último dia 10 de setembro a Çirculação da balbúrdia realizou o terceiro encontro da segunda temporada, debatendo, dessa vez, o ensaio datado de 2018 de Márcio Farias intitulado “Uma esquerda marxista fora do lugar: pensamento adstringido e a luta de classe e raça no Brasil”. Para ler o texto acesse a nossa biblioteca, lá você encontra as produções acadêmicas debatidas na Çirculação e também outros textos. Márcio Farias é doutorando em Psicologia Social na PUC, em sua dissertação fez a pesquisa sobre os imigrantes africanos em São Paulo, estudo que continua em sua atual pesquisa de doutorado “Imigração, trabalho e política: imigrantes africanos em São Paulo e Buenos Aires”.
Durante a apresentação, Márcio Farias, relata sua motivação para escrita do texto a partir de um acúmulo de discussões do Movimento Negro, tendo o marxismo como referencial teórico, político e prático. Relata as críticas que recebidas tanto pela sua escolha de referência, vindas do movimento negro, quanto da esquerda marxista sobre a escolha da pauta em que atuava. Há em sua produção, então, um esforço de sistematizar sobre a questão racial, a luta de classes e o marxismo.
Essa elaboração se coloca também quando André Singer, importante quadro do governo Lula, no contexto do golpe de 2016 contra Dilma Rousseff, escreveu o livro “O lulismo em crise” (2018). No livro Singer recupera aspectos da formação social brasileira e analisa como se atualiza contemporaneamente, conformando um modo da sociedade se organizar. Um debate que veio desde a escrita dos livro “Os sentidos do lulismo” (2012) que traçava um paralelo entre a mobilidade social, a manutenção dos governos petistas no governo e a tentativa de promover um estado de bem estar social. Porém o autor afirma, em entrevista sobre o lançamento do livro de 2018, que as pautas raciais e de gênero não mobilizam o conjunto da população, ainda que sejam importantes.
Essa afirmação ocorre no mesmo período em que Antonio Negri, filósofo italiano, faz uma análise para o Instituto Rosa Luxemburgo, “Impressões de uma visita ao Brasil: Para onde vai o PT?” (2017). Nesse texto, Negri descreve que as dimensões raciais e de gênero são um nó para o petismo, pois quando perdem o contato com essa base social em conjunto com as fracas políticas econômicas perde-se esse apoio que garantia sua manutenção no poder. Posto que esse ascensão social estava sendo vivenciada de forma ambígua, pois crescia a terceirização e informalidade, então, ainda que essa base tenha tido melhores condições de vida, foi ainda de forma muito precária e instável. E, com isso, chama atenção à razão neoliberal que essa condição de trabalho impõe para o conjunto da classe.
Dado essas produções como uma provocação, Farias tenta sistematizar o que chama em sua apresentação de “dilema da sua geração”, sobre a questão racial e o marxismo, e tenta entender por que a esquerda marxista no Brasil tem tanta dificuldade para tratar da questão racial, e mesmo sistematizar o que tem o marxismo a contribuir à compreensão do racismo e à luta antirracista. Uma vez que há muitas discussões no campo do movimento negro que afirmam que não há contribuição possível das ideias marxistas e marxianas nessa luta, bem como o impacto do que foi a ascensão das ideias pós modernas na Europa na segunda metade do século XX.
Para entender esses pontos de tensões, Márcio traça um paralelo histórico do que o campo marxista enfrenta no século XX, impactado pelas denúncias do que foi o stalinismo pós o 20º Congresso Comunista (1956) e o avanço do pensamento pós moderno na Europa e nos Estados Unidos. Em um período de reorganização do capitalismo quando alguns países vivem o estado de bem estar social e outros vivem as agudizações do imperialismo. As produções européias desse período contém, então, uma série de contradições que se somam ao produzir discussões sobre o fenômeno do racismo. Abandona-se a agenda econômica e o horizonte revolucionário, dando ênfase às discussões de gênero e raça, ao mesmo tempo que discute-se ainda sobre uma luta contra o capitalismo, Porém, ainda assim, realizando discussões a partir do marxismo, como Angela Davis, entre outros exemplos citados por Márcio.
Já no Brasil e sobre os autores brasileiros, as produções marxistas do mesmo período apresentaram dificuldades em analisar a questão racial. E aponta que há uma grande influência do que foi a difusão do marxismo no país a partir da década de 1930, feita pelo Partido Comunista, ligada a IIIª Internacional, no contexto do stalinismo. Explica que, considerando esses elementos, é possível entender a fala de André Singer, em não considerar a questão racial e de gênero como aglutinadora, quando Antonio Negri, ao analisar o mesmo processo, aponta a questão racial como importante para entender o processo do golpe e a perda de conexão com a base social, consubstanciada pela condição precária de trabalho.
Conclui a apresentação chamando atenção para o quanto as questões como racismo, gênero, Estado, teoria do valor, etc, devem estar presentes ao se discutir o Brasil, posto que são questões que constituem a classe trabalhadora brasileira.
Após a apresentação muitos participantes fizeram questões e puderam debater com o autor sobre questões ligadas ao eurocentrismo, origem de classe, teoria marxista da dependência.
Para quem não pode acompanhar ao vivo a apresentação e a discussão, o vídeo está disponível no canal da EFOP, no YouTube. Acesse, se inscreva e participe dos próximos encontros!
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