No dia 25 de novembro de 2021 foi realizado o quarto encontro da terceira temporada do Circulação da Balbúrdia. A Escola de Formação Política da Classe Trabalhadora Vânia Bambirra recebeu a pesquisadora Viviane de Queiroz, que apresentou sua tese intitulada “Fundo patrimonial (endowment fund) no Brasil: uma agenda do capital para as universidades públicas”. A tese foi desenvolvida no Programa de Pós graduação em políticas públicas e formação humana da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), sob a orientação da professora Dra. Deise Mancebo.
Viviane estuda educação superior desde a graduação, analisando as políticas do Banco Mundial para a América Latina. No mestrado pesquisou as parcerias público privadas na educação superior brasileira, discutindo os programas FIES, PROUNI e programa IES do BNDES.
O que instigou Viviane ao estudar os fundos patrimoniais foi a notícia de que eles estariam sendo regulamentados nas instituições federais de ensino superior por meio do Projeto de Lei no 4.643/2012, que haviam outros sete projetos de lei para regulamentar os fundos patrimoniais e que a maioria das produções acadêmicas que tratavam dos fundos era financiada por instituições financeiras e privadas. Além disso, verificou nas cartas de congressos do ANDES Sindicato Nacional que o tema era de relevância para o movimento docente, apontando a urgência do debate sobre o tema.
Os fundos endowment são chamados de fundos patrimoniais ou fundos filantrópicos em português e compõem estruturas financeiras organizados a partir de recursos formados por doações a uma entidade dita sem fins lucrativos. O valor do patrimônio da entidade permanece intocado durante a gestão do fundo, sendo investido em aplicações financeiras e somente parte do retorno dos investimentos é usada nos projetos. As formas de captação dos recursos são diversas, entre elas privatização de instituições públicas, perdão de dívidas externas, recursos apreendidos (produtos de crimes) e doação simples de pessoas físicas ou jurídicas.
A pesquisa teve como um dos objetivos analisar a função social, política e econômica da agenda do capital para a criação de fundos patrimoniais no Brasil, buscando compreender o protagonismo dos aparelhos privados de hegemonia (APHs) vinculados às políticas de Estado para difundir e implementar o endowment.
Viviane identificou o Instituto de Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), que representa a Charities Aid Foundation (CAF) no Brasil e na América Latina como o principal APH atuante na formação de fundos patrimoniais. O IDIS propõe a gestão privada de recursos públicos e a privatização interna dos espaços públicos. Eles criaram um grupo de estudos que atua no assessoramento de parlamentares para a criação de leis que facilitem a criação de fundos patrimoniais e o aprimoramento das formas de captação de verbas.
A tese foi dividida de forma a debater a pedagogia da hegemonia e a agenda educacional do capital no primeiro capítulo, a disputa entre projetos antagônicos na educação superior brasileira no segundo capítulo, e o próprio objeto de estudo no terceiro capítulo da tese, o fundo patrimonial (endowment fund): a nova transplantação de modelos internacionais para a educação superior brasileira.
Os pioneiros da criação desse tipo de fundo no Brasil têm origem no setor bancário e o Estado, nos diferentes governos pavimentou o caminho criando um arcabouço jurídico para regulamentar os endowments no país. No governo Dilma os mecanismos aparecem pela primeira vez, o governo Temer e Bolsonaro também promulgaram legislações que regulamentam os fundos. Viviane também ressalta que o projeto de lei do future-se continha elementos da lei dos fundos patrimoniais, com a proposta de criar um fundo patrimonial composto pelo patrimônio das IFES.
A tese analisou em mais detalhes duas experiências: a do Fundo Patrimonial Amigos da Poli, vinculado à Politécnica da USP e do Fundo Patrimonial Centenário, vinculado à Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio grande do Sul (UFRGS).
Os elementos em comum observados nas duas experiências são os seguintes:
Esses fundos foram criados por empresários da grande burguesia brasileira;
As doações compõem o patrimônio do fundo e apenas uma pequena parte dos rendimentos é destinada a projetos da instituição;
O financiamento dos projetos é avaliado pelos “doadores” /acionistas;
As ações são determinadas pela iniciativa privada e condicionadas aos interesses dos empresários;
Exploração da força de trabalho – pesquisadores à serviço das empresas que lucram com a apropriação do conhecimento produzido na universidade pública;
O número de projetos contemplados e que receberam recursos do fundo é muito baixo;
Essas entidades não só garantem os incentivos fiscais do estado, mas também lucram com a expansão do seu patrimônio;
As instituições declaram-se sem fins lucrativos, porém os próprios relatórios fiscais demonstram o quanto é rentável o fundo patrimonial. A própria Receita Federal não os reconhecem como fundos filantrópicos, mas sim como fundos de investimentos.
Como considerações finais, Viviane apresentou algumas questões que foram observadas durante o desenvolvimento da tese como consequências da adesão aos fundos patrimoniais, como, por exemplo, a redefinição da forma de operar as políticas educacionais por meio da gestão privada do espaço e recursos públicos, um novo traço de privatização indireta das IES públicas e o fortalecimento da pedagogia do capital no processo de apassivamento das lutas populares e também pela guerra ideocultural em curso na política educacional e de repressão ao pensamento crítico.
Após a apresentação, as perguntas dos outros participantes da atividade procuraram aprofundar a compreensão da relação entre os fundos patrimoniais e o Programa Future-se, da atuação dos fundos patrimoniais em outras áreas, como na educação básica e saúde, bem como debater as consequências da presença desse tipo de instituição nas Universidades Públicas.
A apresentação completa está disponível no canal da EFoP no YouTube e a tese da Viviane está disponível para leitura na Biblioteca da EFoP. Acompanhe nossas redes para ficar sabendo das próximas atividades.
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