Edição de Junho de 2021
Sobre o autor
Em Trier, capital da província alemã do Reno, nasce Karl Marx, no dia 5 de maio de 1818, o segundo de oito filhos de Heinrich Marx e Enriqueta Pressburg. Iniciou seus estudos no Liceu Friedrich Wilhelm, em Trier em 1830 e, já em 1835, escreve sua primeira contribuição, suas “Reflexões de um jovem perante a escolha de sua profissão”, em que questiona o futuro pouco brilhante que é esperado dos jovens da época. Em 1841, com uma tese sobre as diferenças entre as filosofias de Demócrito e Epicuro, Marx recebe o título de doutor em Filosofia. No ano seguinte, por não poder atuar como docente em razão da expulsão de Bruno Bauer da Universidade — filósofo com o qual Marx possuía certo vínculo —, elaborou seus primeiros trabalhos como publicista, na Rheinische Zeitung, a Gazeta Renana.
Em razão das ácidas críticas ao Governo Prussiano, a revista é fechada. Marx então muda-se para Paris e assume a direção dos Anais Franco-Alemães. Em 1843 conclui dois textos importantes: A Crítica da Filosofia do Direito de Hegel e A Questão Judaica.
No ano seguinte passa a ter um vínculo mais orgânico com o movimento dos trabalhadores por meio da Liga dos Justos. Além disso, aproxima-se de seu camarada de vida, Friedrich Engels. Marx, novamente perseguido pelas autoridades devido a suas críticas, muda-se para Bruxelas. O período na Bélgica não durou muito devido às perseguições.
Em 1848, momento sensível para os trabalhadores, o filósofo finaliza o texto do Manifesto do Partido Comunista. Quatro anos mais tarde termina O 18 brumário de Luís Bonaparte, texto que evidencia o domínio preciso de Marx ao analisar a conjuntura da França.
Em 1864, em Londres, junto a outros trabalhadores e intelectuais, funda a Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) preparando a organização do que mais tarde, junto à criação do Partido Operário Social Democrata Alemão, culmina na experiência da Comuna de Paris (1871).
A publicação de sua obra magnânima, O Capital, é realizada em 1867, em Hamburgo. Os livros II e III foram organizados e publicados por Engels postumamente.
Marx foi, é, e continuará a ser, um dos maiores pensadores que já existiram. É muito difícil defini-lo como uma coisa só, por exemplo, um filósofo ou um militante, já que isso soa reducionista a grandeza de sua existência. O que podemos dizer é que ele conseguiu desvendar em sua teoria de crítica à economia política o funcionamento do capitalismo e seus desdobramentos. O Capital, uma de suas maiores obras, desmonta a suposição burguesa de uma natureza humana mercantil e apresenta de maneira minuciosa o conjunto das relações sociais que sustentam o capitalismo.
Sobre a obra
O primeiro texto contido na obra é fruto de estudos e anotações que Marx fez de 1879 a 1882. É o último texto em que Marx aborda diretamente o desenvolvimento da crítica da economia política, três anos antes de sua morte. Neste, Marx polemiza com as interpretações de O Capital feitas por Adolph Wagner, professor universitário alemão.
Os pontos de crítica do filósofo da práxis a Wagner são diversos. O conjunto de argumentos se debruça sobretudo na diferenciação entre valor de uso, valor de troca e valor, tema que ainda divide muitos teóricos deste campo. Contudo, além disso, Marx refina sua teoria em relação a diversos pontos da Teoria do Valor, como: a noção de trabalho produtivo e improdutivo, a relação entre o Estado e a produção de mercadorias, a troca de equivalentes e a justiça burguesa, a importância da objetividade na compreensão dos aspectos debatidos no Capital, os equívocos da noção ricardiana de valor e até mesmo o significado da inserção do ser humano na experiência simbólica. O texto parece fornecer um passeio, precisando os debates abordados nos níveis de abstração tratados nos três tomos de O Capital.
Este conjunto de argumentos reunidos por Marx desdobra algumas questões particularmente interessantes hoje. A crítica que o autor desenvolve em torno da "Escolástica da Teoria do Valor” é extremamente pertinente para nós, interessados na construção de uma realidade social radicalmente diferente. A contribuição marxiana nunca se tratou de um apanhado de conceitos rebuscados visando tornar a disseminação desta teoria um trabalho de eloquência. O exercício de precisão que Marx elabora durante toda a sua vida implica, em última instância, em uma necessidade constante de apreender a realidade. A teoria é, em Marx, a expressão, na ordem do pensamento, do movimento real.
Por essa razão, estudar a obra de Marx é fundamental. Sem ela, não é possível compreender as leis do capital. Contudo, este exercício é insuficiente. Sem apreender a realidade hoje, com todas as complexificações desenvolvidas pelo capital, corre-se o risco de defender conceitos, tal como fez Wagner.
O entendimento preciso da realidade social se coloca hoje como fundamental para a construção da estratégia socialista. A herança que Marx e tantos outros teóricos nos deixam deve sempre ser apreendida e lembrada, mas não podemos nos esquecer que hoje é imputado a nós forjar com precisão os caminhos necessários para a emancipação socialista.
Ao adentrar na leitura do segundo livro do texto, nos deparamos com anotações de Marx sobre a abolição da servidão que ocorria na Rússia, em forma de um compilado de informações pouco sistemático, mas grande em riqueza de detalhes que o filósofo trazia ao realizar seus estudos. Dessa forma, muito mais que nos fornecer respostas, o texto nos lança a refletir sobre a própria forma de pensar desse grande crítico da economia política. Talvez esteja aí o principal legado do texto.
Aos leitores de Marx, é visível como seus textos abordam sempre uma diversidade de dados da realidade. Neste, isso não é diferente. O texto reúne materiais estatísticos sobre o país e informes de militantes russos, materiais que ele possuía em abundância e que, por se interessar tanto pela dinâmica do desenvolvimento da Rússia, também tinha o domínio da língua para se aprofundar em seus estudos.
O que Marx busca, porém, nesse emaranhado de informações? Em primeiro lugar, aprofundar seus estudos sobre a crítica da economia política, que ainda estavam incompletos. Como sabemos, sua teoria não é feita de conceitos fixos e imutáveis, portanto, o filósofo da práxis sempre estava dando passos para frente em suas compreensões.
Em segundo lugar, ele viu com curiosidade as mudanças que ocorreram na Rússia após a abolição da servidão, porque esse processo gerou significativo desenvolvimento das forças produtivas, ampliando exportações e ensejando a construção de um sistema de crédito. Em terceiro, quarto ou em quinto lugar, nós os instigamos a encontrar na leitura.
Que esse lançamento que vemos Marx fazer em seu estudo minucioso das particularidades do desenvolvimento dos países, de avanços e retrocessos e de movimentos gerais por trás do que é da ordem do econômico e do político nos países nos inspire a continuar o que ele deu início. A curiosidade frente ao desconhecido e a necessidade de fazer avançar a compreensão sobre o mundo capitalista fazem parte do marxismo e do avanço na construção de uma sociedade radicalmente diferente. Que Marx, em sua pesquisa, nos inspire a não tornar hoje as investigações um mero exercício acadêmico e dogmático, mas que se alie a construção de uma ciência verdadeiramente emancipatória.
Texto relacionado:
A epidemia chega na mesa do jantar, por Ana Júlia e Marcos Meira
Sugestões Bibliográficas:
Para aprofundar na temática da importância da Teoria do Valor para a construção da estratégia socialista, ficam as sugestões de leitura:
Karl, Marx. O capital - Livro I. São Paulo, Boitempo 2011
Diversos aspectos contidos no debate que Marx tece com Adolph Wagner estão contidos nesse tomo, como a origem da mais-valia e do ganho do capitalista, as características da produção capitalista e o que fundamenta o valor de uso, valor de troca e o valor.
Virgínia Fontes. Brasil e o capital imperialismo. UFRJ, 2010.
Esta obra desdobra em um nível mais concreto de análise algumas teses apresentadas por Vladimir Lênin em seu famoso livro “Imperialismo: fase superior do capitalismo”. O livro se debruça sobre aspectos contemporâneos do desenvolvimento capitalista no Brasil, se debruçando, a partir de Gramsci, nos aspectos da sociedade civil, como o papel do terceiro setor, as disputas pelo fundo público e o projeto de democracia da nova república.
Isaac Illich Rubin. História do pensamento econômico. UFRJ, 2014.
Este tomo é um ótimo texto para adensar as polêmicas inseridas no debate sobre Economia Política tecido por Marx com os teóricos de seu tempo, como David Ricardo e Adam Smith. O texto ajuda a aprofundar as leituras tanto dos Últimos Escritos Econômicos quanto do O Capital.
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