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Guia de Leitura #7 Teoria Marxista da Dependência: problemas e categorias, de Mathias Seibel Luce

Teoria Marxista da Dependência: problemas e categorias

Mathias Seibel Luce


A Teoria Marxista da Dependência (TMD), desenvolvida entre finais do anos 1960 e início dos anos 1970, busca desvendar as leis e dinâmicas que regem a formação particular das economias dependentes latino-americanas. Como nos ensina Marx, o concreto nada mais é do que a síntese de múltiplas determinações. A análise de objetos concretos exige articular, portanto, suas determinações mais gerais e abstratas com as determinações específicas e historicamente localizadas. A formação capitalista da América Latina, em sua concretude e especificidade histórica, exige apreender não apenas as leis gerais do modo de produção, como também as tendências que emergem das particularidades históricas da região. Esse é o mérito dos formuladores da TMD: teorizar a realidade concreta da América Latina formulando categorias concretas. Os teóricos da TMD conseguem esse feito articulando a lei marxista do valor e as teses leninistas do imperialismo com as particularidades do subcontinente. São essas categorias mais concretas que Mathias Seibel Luce, através de uma síntese teórica, resgata neste livro.


Luce executa este trabalho retomando os textos clássicos da TMD e recuperando as categorias lá desenvolvidas. Nesse processo de recuperação histórica das categorias da TMD, Luce discute lacunas, rebate críticas e esclarece deturpações teóricas. Além de refinar o estudo de tais categorias, buscando ser fiel ao sentido exato que estava sendo dado por seus formuladores, Luce também contextualiza, durante todo o livro, a importância análitica da TMD articulando uma série de levantamentos empíricos compactados em quadros e tabelas. A divisão do livro é clara e direta. Luce vai, a cada capítulo, resgatar e refinar uma categoria central da TMD. Esse percurso não é aleatório, mas segue o fio do próprio desenvolvimento teórico. Por isso, ele começa com a categoria “transferência de valor como intercâmbio desigual”, que é a categoria ontologicamente central da TMD e da qual decorrerão as demais. É na forma como se produz e se apropria o valor no mercado mundial que estão as causas centrais para as desigualdades estruturais que marcam as economias dependentes. No capítulo 2, Luce apresenta a cisão nas fases do ciclo do capital na economia dependente, como consequência da transferência de valor da periferia ao centro. Aqui fica expresso um profundo rigor dos teóricos da TMD com as formulações que Marx desenvolve na obra O capital. Sem se limitar à estrita produção de valor, teorizado no Livro 1 d’O capital, os teóricos da TMD vão analisar também a relação dialética entre a produção e a circulação. A tese é que, durante a formação do mercado mundial do capital, houve um divórcio entre a estrutura produtiva e as necessidades das massas, nas economias dependentes. Diferente dos países centrais, em que há uma industrialização “orgânica”, em a produção de bens de consumo impulsiona a produção de bens suntuários e bens de capital, nos países dependentes há um prolongamento da produção de bens de consumo enquanto os bens de capital, como maquinaria e tecnologia, são subsidiados pelo capital estrangeiro. Isso expõe um aspecto estrutural importante na manutenção da condição dependente dessas economias. Mais capitalismo, mais dependência. Como é visto no capítulo 1, com a formação dos preços de produção, há uma transferência de valor da periferia ao centro, das indústrias menos tecnológicas às mais tecnológicas. Luce aponta, no capítulo 3, como os setores dependentes e menos produtivos (com menor composição orgânica do capital), são compelidos a compensar essa transferência de valor. Na impossibilidade de nivelar a composição orgânica e técnica do capital interno (produtividade), resta apenas elevar a taxa de exploração (taxa de mais-valor). Seja pelo prolongamento da jornada, pelo aumento na intensidade ou pela simples redução salarial, o que há é uma remuneração da força de trabalho abaixo de seu valor. Eis a superexploração da força de trabalho. Dentre as confusões desfeitas por Luce acerca da categoria superexploração, uma merece atenção: superexploração é uma categoria relacional e só faz sentido analítico se inserida na malha de relação dependentes que se relacionam com as transferências de valor para o centro e com a cisão no ciclo do capital interno. Superexploração é entendida aqui como característica estrutural das economias dependentes e não como fenômeno conjuntural, presente também nos países centrais como mero aumento na taxa de exploração. Por fim, no capítulo 4, Luce apresenta a categoria dependência como um desenvolvimento sui generis do capitalismo e que, portanto, engendra tendências específicas e particulares à economia dependente. É uma categoria que sintetiza os determinantes particulares estudados até então. É com base nesta rigorosa definição de dependência que é possível se desamarrar das ilusões desenvolvimentistas ou etapistas, que conquistaram o coração e a mente de boa parte da esquerda latino-americana durante o século XX. Como essência do marxismo, a interpretação do mundo não é fim em si mesma, mas meio para transformá-lo. De igual forma, a rigorosa teorização das condições particulares do desenvolvimento dependente latino-americano permitiu e permite analisar a conjuntura mais concreta sem incorrer nos erros interpretativos do passado. A TMD aparece, por fim, como ferramenta teórica imprescindível para a práxis socialista na América Latina, pois permite uma análise sóbria das relações mais concretas que perpassam as conjunturais locais. O arsenal teórico da TMD, levado às últimas consequências da análise social, mostra que os laços da dependência não podem e não serão quebrados no marco do desenvolvimento capitalista. Somente uma revolução no modo de produção poderá romper com a estrutura dependente dos países periféricos. Segundo o fio analítico da TMD, a revolução socialista não é apenas possível como a única via capaz de romper com este ciclo de exploração e dependência que abala a América Latina. Sobre o autor Mathias Seibel Luce faz parte da atual geração de intelectuais que tem feito o esforço de resgatar as bases teóricas da Teoria Marxista da Dependência para compreender as mazelas da nossa formação social contemporânea. Formado em história, Luce é docente da Escola de Serviço Social da UFRJ e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Marx e a Teoria Marxista da Dependência (Lemarx-TMD/UFRJ). É membro do Memorial-Arquivo Vania Bambirra (www.ufrgs.br/vaniabambirra) e, entre 2013 e 2017, foi Diretor da Seção Sindical do ANDES-SN na UFRGS.

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Sugestões bibliográficas BAMBIRRA, Vania. O capitalismo dependente latino-americano. Trad. Fernando Prado e Marina Gouvêa. Florianópolis: IELA/Insular, 2012. FERREIRA, Carla; OSORIO, Jaime; LUCE, Mathias (orgs.). Padrão de reprodução do capital: contribuições da Teoria Marxista da Dependência. São Paulo: Boitempo Editorial, 2012. MARINI, Ruy Mauro. Dialética da Dependência. Trad. Marcelo Dias Carcanholo. In: João Pedro Stedile e Roberta Traspadini (orgs.). Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo: Expressão Popular, 2005. MARINI, Ruy Mauro. Subdesenvolvimento e Revolução. Trad. Fernando Prado e Marina Gouvêa. Florianópolis: IELA/Insular, 2012.

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