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Minicurso: "Os impasses na transição ao socialismo no Chile e a contrarrevolução"




No dia 22 de julho de 2022, a Escola de Formação Política Vânia Bambirra (EFoP) realizou o minicurso "Os impasses na transição ao socialismo no Chile e a contrarrevolução" ministrado por Renato Ramos Milis* e mediado por Giulia Molossi Carneiro. Este minicurso debateu o texto de Ruy Mauro Marini "O reformismo e a contrarrevolução: estudos sobre o Chile”, texto que foi um dos debatidos no último ciclo do Grupo de Estudos de Teoria Marxista da Dependência (GE-TMD/EFOP).


A mediadora apresentou o objetivo do debate e o ministrante, destacando o GE-TMD como uma das vertentes principais de estudo da EFoP. O livro de Marini é apresentado como um texto que analisa o estado burguês no capitalismo dependente na América Latina e discute a tomada e manutenção do poder pela classe trabalhadora, abordando as contradições do reformismo e do desenvolvimentismo.


O GE-TMD ocorre desde 2018 e o minicurso foi uma forma de apresentar parte dos debates realizados no grupo no ciclo de 2021 e abrir o convite para novos integrantes que queiram participar a partir do segundo semestre de 2022. Já foram estudados no GE TMD no Ciclo 2018 os livros do Ruy Mauro Marini: “Dialética da dependência” e o “Subdesenvolvimento e Revolução” e o livro do Florestan Fernandes “Sociedade de Classes e subdesenvolvimento”, para debater a temática da dependência e a formação socioeconômica latino-americana e as implicações para pensar nas lutas pelo socialismo na América Latina. Já no ciclo de 2021, em um eixo de estudo sobre a transição e as estratégias socialista, foram estudados além do livro do Marini sobre o Chile, foco deste evento, também textos da Vânia Bambirra, como a coletânea que ela organiza sobre “Dez anos de insurreição na América Latina” e o livro sobre a “Revolução cubana: uma reinterpretação”.


Os textos debatidos neste último ciclo representam um momento fértil da TMD e do debate sobre estratégia revolucionária na América Latina. A experiência chilena tem relevância neste cenário, em que a contrarrevolução varre o continente, e coloca na ordem do dia o debate sobre a revolução, tornando vital o debate sobre as estratégias. Renato indica algumas das interpretações sobre estratégias que estavam em debate como o foquismo e a revolução cubana, o maoísmo e revolução chinesa e as linhas reformistas que ganharam destaque com a experiência do Chile.


Para o campo socialista e de esquerda na América Latina, estudar a experiência chilena traz lições importantes por ter sido uma tentativa de construir o socialismo. Embora seja necessário retomar as críticas ao caráter reformista da estratégia da Unidade Popular e seus limites, é preciso reconhecer este caráter da experiência, que em nada mantém relação com o que atualmente costuma-se chamar reformismo no contexto brasileiro.


O livro "O reformismo e a contrarrevolução: estudos sobre o Chile


O livro do Ruy Mauro, que foi publicado originalmente em 1975, com textos escritos logo após o golpe no Chile, foi editado no Brasil só em 2009, essa demora para ter acesso em português tem relação com o bloqueio que a TMD sofreu no país. O livro é organizado em quatro partes: A primeira parte é um texto de síntese, de amadurecimento da formulação política do Marine ; a segunda parte debate três eixos para compreender o processo chileno: 1. A crise do sistema de dominação; 2. A questão da pequena burguesia e o problema do poder 3. A política econômica da unidade popular. Além de informar sobre o movimento de massas no Chile; Na terceira parte são reunidos vários textos publicados na Revista Chile Hoy, textos curtos de intervenção jornalística do Marini na conjuntura da época; e na quarta parte há o debate do golpe e da política econômica do golpe.


Ruy Mauro Marini


No debate também foi descrita a importância de Marini como quadro da TMD, e sua atuação política junto com Vânia Bambirra e Teotônio dos Santos no início dos anos 60, dirigentes da Organização Revolucionária Marxisita Política Operária - Polop. Fundada a partir de críticas ao PCB e outras organizações naquele momento e da necessidade de apontar política revolucionária para o Brasil. Com o Golpe de 64 foram duramente reprimidos e Marini foi primeiramente exilado no México. Em 68 no México é perseguido também pelas suas atuações e contribuição para a mobilização estudantil. Tenta ir para a Argélia, mas é impedido e vai para o Chile em 69, um ano antes da vitória de Allende. No Chile se reúne a um conjunto de intelectuais latino-americanos e participa dos estudos do Centro de Estudos Sócio Econômicos da Universidade do Chile, que discute a partir de uma perspectiva crítica de esquerda a dependência.


Marini participa como dirigente do Movimento Esquerda Revolucionária - MIR Chileno, isto faz que seus textos não sejam apenas fruto da observação da conjuntura, mas sobretudo sejam a intervenção e o debate de um dirigente de uma das organizações que polariza o debate estratégico com a Unidade Popular.


Os impasses


Os impasses e os problemas da estratégia chilena estão colocados em dois eixos: 1. O problema do poder e por consequência das alianças de classe e de formação de compromisso do bloco que leva a cabo a estratégia revolucionária, e 2. O problema da dependência.


As críticas de Marini não são sectárias a Unidade Popular, mas tem o intuito de fazer com que o governo pudesse avançar na revolução socialista, preocupado com o destino da classe trabalhadora chilena e por conseguinte de toda a américa latina. Marine quer contribuir para que a UP possa aprofundar as contradições e avançar na direção de resolver o problema do poder. Essa indicação sobre a obra de Marini é relevante para entender o papel da sua crítica fraterna e para não reforçar o sectarismo presente muitas vezes na esquerda.


Uma demonstração desta disposição é que o MIR não se opôs ao bloco eleitoral da UP, tendo suspendido as ações armadas no período eleitoral para que as eleições pudessem transcorrer e atuado inclusive na segurança do Allende. Durante um tempo se estabeleceu negociação para o MIR entrar no governo, mas essa negociação não poderia prosperar pois havia estratégias muito diferentes, entre UP e MIR.


A UP queria atrair a pequena burguesia e a burguesia média para o bloco do governo. Queriam abrir negociação com a Democracia Cristã DC (partido onde estavam organizados parte da pequena burguesia e da média burguesia). A incorporação desse setor implica em uma política econômica que reproduz a dependência e na institucionalidade chilena, defendida pela PB. A burguesia não tem compromisso com a legalidade, visto as ações sem pudor de combate aos trabalhadores, tanto é que dá golpe, bombardeia e mata Allende. Mas a PB tem pavor de rompimento da estabilidade e a institucionalidade burguesa que ameaça sua posição.


Marini inicia o debate do livro questionando o que aconteceu para que a UP ganhasse as eleições. Ele resgata a história que fez com que as frentes que deram origem posteriormente a UP acumulassem forças participando de eleições desde 50, frentes compostas por aliança eleitoral entre PS e PC, partidos esses que tinham expressão nas massas trabalhadoras.


Outro ponto relevante foi o amadurecimento da crise do sistema de dominação chileno, que desencadeou a divisão da burguesia em duas candidaturas, o que abriu espaço para a UP ser vitoriosa. Esta crise é descrita por Marini pela mudança no sistema produtivo chileno. Havia uma constatação de que a indústria havia parado de crescer, mas Marini indica que a estagnação industrial na verdade representava a cisão entre setores que cresciam muito e outros que não cresciam. Uma cisão entre a indústria de bens de consumo correntes da classe trabalhadora e o setor de bens suntuários, que tinha seu crescimento incentivado pelo governo.


O tipo de mercadoria produzida na AL tem condições competitivas desfavoráveis que implica na formação de preços e na transferência de valor para os países de capitalismo central. Há outras vias de transferência de valor como a dívida, investimento estrangeiro direto, royalties e remessas de lucros... A burguesia nacional compensa os valores transferidos para os países de capitalismo central pela ampliação da exploração dos trabalhadores, que chamamos de superexploração. Que implica em subconsumo, intensificação de trabalho, diminuição/congelamento dos salários.


A cisão na estrutura social chilena implica que as indústrias de bens de suntuários se dinamiza e têm condições de competir em condições superiores do que as indústrias de bens de consumo. Há implicações desta estrutura na transferência de valor dos países dependentes para os países de capitalismo central e na decorrente superexploração da força de trabalho. As constatações de Marine ajudam a entender que o imperialismo não é só relativo a intervenção política e militar, mas que ele está fundado na estrutura econômica nos países dependentes. As burguesias nacionais tem posição associada ao capitalismo estrangeiro.


Essa organização tem implicação para o fundo de vida e de consumo dos trabalhadores. Em função disto há na economia uma cisão no ciclo do capital nas economias dependentes, onde as indústrias de bens suntuários se dinamizam e as indústrias que produzem aquilo que os trabalhadores vão consumir perdem campo. Assim a dependência produz mais dependência.


A partir desta conjuntura ocorre no Chile em 70 o esgarçamento na expressão política na aliança da burguesia. Também contribuem para tanto os conflitos crescentes no campo e nas cidades, com crescente movimento de reivindicação de direitos sociais mesmo por setores menos organizados, que foram abordados detalhadamente ao longo do minicurso e que são fatores que contribuem para a distensão do pacto de classes chileno e criam condições favoráveis para a eleição da UP.


A eleição de 70 foi acirrada, com três candidatos houve um erro de cálculo da burguesia que se retirasse um dos candidatos poderia ganhar. Com a vitória de Allende, houve pressão para ele não assumir, mas o movimento popular forte empurrou sua posse. Além disso, havia também setores da burguesia que acreditavam que um golpe naquele momento não seria necessário.


Com Allende assumindo, a estratégia da UP era pela via da legalidade existente para acumular forças e gradualmente impor reformas que criariam condições para a transição pacífica para o socialismo. Uma via pela da legalidade existente. Subjacente na estratégia está posta a concepção que é possível pelo interior do próprio estado burguês, sem romper com ele, encaminhar a questão do poder. A estratégia é reformista radical, embora gradual não tem relação nenhuma com o que hoje podem alguns descreverem como projeto reformista do PT no Brasil, por exemplo. Renato destaca no minicurso que o projeto do PT no Brasil seria mais um verniz reformista para esconder políticas neoliberais do que de fato um projeto reformista, apesar de ser comumente descrito assim.


Um dos pontos fundamentais da avaliação crítica de Marini sobre a estratégia da UP e de que para ele a conquista do governo não significa a conquista do poder. Poder é a correlação de forças entre as classes fundamentais (burguesia e proletariado) e a estruturas para manter essa correlação de forças favorável em direção a uma determinada classe. Para Marini não é no governo que se resolve a questão do poder. Pode ser uma possibilidade de avançar nesse sentido, mas não é em si a conquista do poder. A UP realizou reformas importantes como a nacionalização do cobre, mas precisava enfrentar a grande burguesia monopólica.


Assim, apesar de ter avançado nas reformas, aumentado o peso das propriedades sociais na economia chilena, entre outros avanços, a UP não institui contrapartida para frear e neutralizar a burguesia, fazendo com que setores do grande capital e das indústrias mais dinâmicas se beneficiassem. A UP acaba criando condições para que a burguesia chilena possa enfrentá-la nas condições mais favoráveis para a própria burguesia. Sobre este ponto, Marine destaca que não se senta para negociar com a burguesia com ela em uma posição de força, que é precisa submeter esses setores para que no processo eles não possam lutar contra a classe trabalhadora


A burguesia canaliza importante montante de riquezas que permite que ela tenha recursos à disposição para enfrentar o governo na economia, criando um mercado paralelo. Açambarcando mercadorias, desabastecendo a economia, o que tensiona a estrutura de classes. O acirramento da cisão na estrutura de consumo do Chile inflaciona e pressiona os preços para jogar os trabalhadores contra o governo, isso não funciona, mas aproxima setores da pequena burguesia novamente à burguesia. A pequena burguesia proprietária também se beneficia do mercado paralelo e cria cisão política com os trabalhadores que não podem consumir enquanto ela pode.


Com o desgaste da política da UP a burguesia passou a disputar com setores que o governo tentava atrair para seu bloco. O que produz uma reaproximação da PB com a direita e enfraquece a política da UP. A política da UP ao não se colocar na direção de resolver a política da dependência e do poder limita a possibilidade de avançar e fica vulnerável ao contra-ataque.


A UP passou por alguns momentos decisivos em que houve possibilidade de reavaliar sua política, um deles foi no Seminário que ocorreu em 72 em que havia uma proposta alternativa para alterar a política econômica. A proposta alternativa propunha avançar nas áreas das propriedades sociais, inclusive nos setores dinâmicos; taxar lucros e grande burguesia para reverter os lucros para o estado para operar as políticas importantes do governo, avançar no enfrentamento da dependência e sair dos marcos da economia estabelecida. Mas a proposta alternativa perdeu e saiu vitoriosa a política que aprofundou a proposta em andamento de distribuição de renda, descongelar os preços e interromper as desapropriações e nacionalizações.


O segundo momento decisivo foi em outubro do mesmo ano, quando a burguesia promoveu um lockout, interrompeu a produção para enfrentar o governo e expulsar Allende. Mas os trabalhadores chilenos tomaram as fábricas e seguiram a produção enfrentando a política de lockout da burguesia. Se gesta nesse momento cordões industriais em que os trabalhadores passam a gestar as fábricas, se armam para enfrentar a burguesia que os atacava também de forma armada. Esta estrutura embrionária poderia ter se estabelecido como uma estrutura de controle da produção importante para oChile. Foram criadas juntas de distribuição em que os trabalhadores podiam controlar a distribuição, podiam ser organismos embriões para a estrutura do poder chileno. Mas a UP atuou para manter sua política e desmontar esses movimentos, devolvendo as fábricas e desarmando os trabalhadores.


Um outro momento decisivo ocorreu em julho de 73, quando houve um ensaio de regimentos militares próximos a Santiago que atacou o Palacio de La Moneda, o governo conseguiu demover a tentativa golpista, mas ficou evidente a disposição burguesa de tentar um golpe. Depois desse evento, o Ministro da Defesa propôs prender todos nas forças armadas que conspiravam contra o governo para arrefecer o movimento golpista, mas Allende não permitiu e substituiu o ministro por Pinochet.


Estes momentos decisivos permitem entender que o golpe foi dado porque a burguesia foi se fortalecendo ao longo do governo. Entre 72 e o golpe 73, a direita começa a atiçar as forças armadas para dar o golpe e ocorreu um processo de deliberação desta possibilidade. As bases das FA ainda eram Allendista naquele momento, mas vão se criando cisões entre os trabalhadores e as FA.


O Golpe em 73 foi sangrento e estabeleceu uma das piores ditaduras na AL. Exilou e assassinou milhares, pois para recompor os pactos de classe não podia permitir que a esquerda chilena, que era construída de forma massiva e colocava a questão do socialismo, continuasse viva.


Ao descrever o processo do Chile no calor dos acontecimentos da conjuntura, Marini coloca as divergências expondo os limites da estratégia da chamada “via chilena”, mas reconhece que o socialismo estava em pauta e esse fato demonstra a importância dessa experiência para pensar o socialismo no continente. Os trabalhadores chilenos são exemplos para todos. O livro debatido neste evento é muito rico e foram destacados apenas alguns dos elementos presentes nele, entre eles o debate da superexploração e transferência de valor que são conceitos polêmicos e importantes para Teoria Marxicista da Dependência.


Depois da exposição dos pontos principais do livro houve questões dos participantes que debateram a questão da conciliação de classes. Renato destacou que o processo chileno pode ajudar a pensar nos processos de conciliação e aliança de classes, indicando que Marini não se opõe que determinados setores participem da estratégia latino americana, mas debate em que posição esses setores participem. O texto do Marini é uma reflexão estratégica fundamental para debater a conciliação de classes, mas isso não tem nenhuma relação com o que é chamado de conciliação de classe na conjuntura atual no Brasil.Lá ocorria um processo da classe trabalhadora, aqui a classe trabalhadora está subordinada a uma conciliação entre as classes dominantes. A classe trabalhadora está em posições muito diferentes nesses processos.


Outra questão possibilitou debater as críticas à via eleitoral e a relação entre a conquista do aparato estatal burguês e o problema do poder proletário.Renato pontuou que para Marini, a via eleitoral não é um problema por si só, mas a partir daí é preciso avançar para romper com os aparatos de poder e economia burguesa. Essa via tinha que ser usada para reforçar a estratégia revolucionária Os limites postos no Chile ao não romper com a estrutura burguesa faz com que os trabalhadores percam na correlação de forças cada vez mais. Neste ponto se apoia a crítica e não em um principismo anti eleitoral deslocado da análise das condições materiais. Renato ainda ressalta que o governo precisa caminhar com o movimento de massas e deve ser empurrado pelo movimento cada vez mais à esquerda, não contando com a institucionalidade burguesa. Marini também não está defendendo que tenha que ter conquista do aparato estatal e do governo burguês pela via eleitoral, mas sim do aparato de estado.


Outro ponto relevante do debate trazido por Marini é que não há a defesa de um modelo específico para a revolução, muito menos que o Chile seja esse modelo. Ao fim do debate se resgata a citação em que Marini indica que “Vias para revolução vão existir tantas quanto povos lutando existiram”, o que ele defende é que seja pela via da revolução (pois é preciso romper com a institucionalidade). Não existe modelo mas ela passa pela conquista do poder, e o sujeito será a classe trabalhadora em direção ao socialismo.


Este minicurso permitiu acompanhar parte das discussões do GE- TMD e abriu o convite para que mais pessoas se somem ao grupo. A importância de debater a dependência se dá pela possibilidade de pensar concretamente as estratégias para o Brasil e para a América Latina na tarefa de construir o socialismo. Você pode assisitir o minicurso completo no Youtbe da EFoP.




*Renato Ramos Milis é servidor no Colégio de Aplicação (CA/CED) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). É formado em Psicologia (UFSC) e mestre em Educação (UFSC). Coordena do GE-TMD, criado em 2018, pela EFOP.


Referência:

Marini, R.M. 2019. O Reformismo e a Contrarrevolução: Estudos Sobre o Chile. São Paulo: Expressão Popular.


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