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Webnário: Aspectos metodológicos na pesquisa sobre capital financeiro no ensino superior

Atividade do PPGE da UFJ em parceria com a EFoP em 14 de agosto de 2010 com Dr. Allan Kenji Seki


No dia 14 de agosto de 2020, às 14h30min, foi realizado o Webnário “Aspectos metodológicos na pesquisa sobre capital financeiro no ensino superior” com o Prof. Dr. Allan Kenji Seki. Formado em Psicologia (UFSC), com Mestrado e Doutorado em Educação (UFSC), Allan tem diversas publicações sobre a temática da reforma da educação superior e o processo de financeirização do capital. É membro do Grupo de Investigação e Pesquisa em Educação GIPE-Marx (UFSC) e da Escola de Formação Política da Classe Trabalhadora - Vânia Bambirra.


A atividade, promovida pelos grupos de pesquisa Germinal e NUFOPE, foi parte da programação do “V Encontro teórico-metodológico de pesquisa em Educação”e “V Ciclo de Palestras” e contou com o apoio do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Jataí (UFJ). A gravação encontra-se disponível no canal do PPGE UFJ.


Allan foi convidado para apresentar alguns aspectos acerca do processo de pesquisa realizado para sua tese de doutorado, que trata das determinações do capital financeiro no ensino superior brasileiro, no período que vai da década de 90 até 2018. A tese foi defendida recentemente e o registro da defesa se encontra disponível em nosso canal do Youtube. O espaço voltou-se para a socialização tanto do processo envolvido no levantamento e análise de dados, no trabalho com uma grande quantidade de documentos de difícil acesso, quanto no tratamento de aspectos teórico-metodológicos que foram sendo articulados na pesquisa.


Em um primeiro momento foram apresentados os tipos de dados e documentos utilizados por Allan em sua pesquisa. A mesma envolveu a seleção de 2039 documentos e análise de 1481 deles - fornecidos por capitais envolvidos com a educação, em diferentes fontes da área considerada econômica - dados do INEP e do censo da educação superior, análise de 149 documentos da política educacional, análise de artigos de jornais da imprensa burguesa, além de documentos dos aparelhos privados de hegemonia (APH). Allan destacou o processo envolvido na busca por esses documentos que não estão facilmente disponíveis e o significado da inexistência de muitos outros dados que ainda seriam necessário para um melhor desenho da situação da educação brasileira hoje.


Allan demonstra que com os documentos e dados levantados, foi possível fazer um retrato de dois processos vigentes no ensino superior brasileiro hoje: a mercantilização, que consiste em transformar direitos em mercadorias, institucionalizar para apartar as pessoas da produção de certos bens por si mesmas, como por exemplo, a produção de alimentos e fontes energéticas; e a oligopolização que consiste em processos de concentração e centralização de capitais.


O primeiro processo, a mercantilização, expressa-se na expansão de matrículas no ensino superior privado a partir da década de 60. Pela primeira vez na história do país, as instituições privadas ultrapassam o número de matrículas nas instituições públicas. Essa expansão é impulsionada em dois períodos principais: durante a década de 70, onde as instituições privadas expressam um consenso maior que as instituições públicas com a ditadura-empresarial militar sobre os conteúdos pedagógicos e os processos formativos da sociedade brasileira; e o segundo momento de expansão se deu no fim da década de 90. O principal fator foi a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Esta contribuiu para o processo em curso intitulado financeirização do ensino superior, porque permitiu que as instituições que existiam até então como privadas, mas sem fins lucrativos, se convertessem em instituições com fins lucrativos. Além de permitir que essas instituições assumissem quaisquer das formas jurídicas admitidas naquele momento dentro do código civil brasileiro. O que possibilitou, entre outras implicações, assumir a forma de uma empresa de sociedade anônima, cujos sócios podem negociar livremente entre si títulos de propriedades desses capitais nas praças financeiras, como a bolsa de valores de São Paulo, a bolsa de valores de Nova York, a bolsa de valores do Rio de Janeiro, a bolsa de valores de Berlim, e assim por diante.


Há aqui mais alguns aspectos teórico-metodológicos destacados na pesquisa quanto à identificação do processo de mercantilização: o fato de que no período da nova república, todos os governos contribuíram com uma política neoliberal que viabilizou a intensificação desse processo. O que demonstra que não é uma política de governo, mas sim de estado, uma política capitalista para a educação nacional. Assim, temos um cenário onde 75% das matrículas do ensino superior estão concentradas nas mãos dos capitais privados e apenas 25% se encontra nas instituições públicas. Esse cenário também implica que não é possível pensar como se dá a formação da maioria da classe trabalhadora brasileira apenas a partir dos esforços empenhados por aqueles que estão envolvidos nas atividades pedagógicas realizadas nas instituições públicas, pois isto pode levar a uma leitura um pouco ingênua quando se tem o intuito de ter uma compreensão em termos da totalidade.


Além disto, Allan aponta que é preciso ter cuidado com os discursos apresentados como justificativa para a abrangência que as instituições privadas possuem hoje. Por vezes a suposta eficiência autoproclamada dessas instituições, acaba por ser adotada como uma meta por aqueles que compõe as instituições públicas. Entretanto, essa eficiência na verdade consiste em: não investir em pesquisas, laboratórios, desenvolvimento científico e tecnológico, tanto nas ciências humanas e sociais, quanto nas áreas tecnológicas; e uma brutal exploração da força de trabalho dos professores, contratados em sua ampla maioria como horistas nas instituições privadas, sem espaço para planejamento e dedicação ao trabalho pedagógico. O que implica também na execução de planos de ensino, avaliações, métodos de ensino e instrumentos pedagógicos já prontos que são comercializados por estas mesmas instituições. A formação destes professores também é cada vez mais desvalorizada por estas instituições, com demissões de docentes que possuem doutorado, levando professores a terem de esconder todo o seu processo de formação para não serem demitidos ou serem admitidos nesses locais de trabalho. Então, se as instituições públicas fossem se comprometer com tal eficiência, isso implicaria em uma imensa perda da qualidade de ensino e um processo intenso de desvalorização dos seus docentes.


Quanto ao processo de oligopolização, Allan demonstra que o crescimento das matrículas se dá em instituições que fazem parte de um cardápio de produtos de grandes grupos capitalistas na educação brasileira hoje. Inclusive, os dados que foram levantados nesse ponto não estão disponíveis e sistematizados, então precisaram ser levantados de forma indireta através de documentos de consultorias e que vazaram dessas instituições de ensino.


O levantamento feito por Allan em 2017 aponta que os dez maiores grupos educacionais (Kroton, Estácio de Sá, Unip, Laureate, Cruzeiro do Sul, Ser educacional e assim por diante) representam sozinhas 42% de todas as matrículas privadas no Brasil hoje. A Kroton, o maior grupo de ensino superior existente hoje no brasil, que faz parte da Cogna Holdings, é do tamanho somado da Estácio de Sá e da Unip. Essas duas, por sua vez, são maiores do que todas as outras sete instituições. Já com relação às instituições públicas, apenas cinco delas - Kroton, Estácio de sá, Unip, Laureate e Ser Educacional - concentram hoje mais matrículas do que todas as instituições públicas municipais, estaduais, universidades federais e instituto superiores. Isso significa que, hoje, apenas essas cinco instituições, tem muito mais condições de determinar os conteúdos, os métodos, a dinâmica, as formas pedagógicas e educativas da imensa maioria da classe trabalhadora, do que as instituições públicas.


Allan explica como este processo só é possível em função de um acúmulo de riqueza social, que resulta da exploração do trabalho, do mais valor. Riqueza que foi acumulada e que existe, pelo menos em algum momento, sobre uma enorme concentração de massas de capital monetário, ou seja, capital que existe como função social de dinheiro e que pode não só ser dinheiro para comprar mercadorias e consumi-las, mas principalmente o dinheiro que quer se converter em capital, para se valorizar e valorizar valor. Para isso são constituídas nas relações capitalistas extensas redes, de divisões técnicas entre os diversos capitalistas e que procuram drenar dos diferentes setores da economia da indústria automobilística, da indústria de mineração, do agronegócio, de capitais comerciais, de bancos e até de fundo de pensão, de fundos de recursos dos trabalhadores, drenar esses recursos e colocar nas mãos do sistema financeiro, ou seja, de bancos, seguradoras, fundos de pensão e fundos previdenciários privados.


O objeto da tese de Allan era tentar identificar os agentes financeiros que operaram no processo de constituição dos oligopólios no Brasil, quem são os capitalistas financeiros, os fundos, por trás das marcas de instituições privadas como Kroton, Anhanguera, Positivo e outros. A pesquisa descobriu que há muitos fundos por trás de cada uma dessas instituições, mas além disso, que alguns fundos de grandes dimensões, como a Advent e JP Morgan, são fundos que operam simultaneamente em mais de uma instituição. Isso dá a eles uma capacidade de controle sobre a educação nacional muito superior do que se eles estivessem isolados dentro de um só grande grupo.


Essa é uma descoberta de toda uma forma de operação dos capitais financeiros, que coloca hoje para a educação brasileira uma dinâmica de que os inimigos da educação nacional não são apenas os grupos como a Kroton, Estácio de Sá, Unip e etc. Os grandes inimigos são enorme capitais monetários em busca de valorização financeira e que controlam vários dos agentes que hoje são oligopólios na educação nacional. E controlam também, obviamente, outros setores da economia. Porque eles não fazem aplicações única e exclusivamente na educação. Portanto, eles têm como manejar simultaneamente os seus tentáculos em vários setores econômicos ao mesmo tempo: portos, aeroportos, indústrias têxteis, indústrias metalúrgicas, extração mineral, agronegócio e assim por diante.


Allan também aponta que o segredo da oligopolização consiste no fato de que esses capitais atuam tanto para permitir que novas instituições surjam, quanto para que, após possuir uma certa cartela de estudantes, passem por crises, para que eles possam fazer a compra delas. Isto porque os grandes capitais podem se fazer estado e produzir legislações em causa próprias. Principalmente no fim dos anos 90, estes colocaram instituições menores, filantrópicas e comunitárias, em crise, fazendo com que na passagem para os anos 2000 a única alternativa destas fosse serem colocadas no mercado.


Além de toda a teia de articulação já desenhada, Allan destaca que há também uma constelação de aparelhos privados de hegemonia. A pesquisa listou 50 deles que são apenas setoriais, que nem são os já conhecidos “Todos pela Educação”, “Instituto Millenium” ou “Fundação Lehmann”, mas associações patronais e sindicatos voltados apenas para os interesses dos capitais do ensino superior, que atuam 24 horas por dia, sete dias por semana, apenas para convencer os próprios trabalhadores e os demais setores capitalistas brasileiros e latino-americanos de que os interesses dos capitais privados são os interesses de toda a sociedade brasileira. E isto é um elemento importante na disputa da transferência dos fundos públicos para a acumulação capitalista, ao invés das instituições públicas. E esta é outra fonte da construção dos oligopólios no país. Isto se deu principalmente nos governos Lula e Dilma, com os programas FIES e Prouni, que tinham faces sociais. Esses programas articulavam alguns interesses, ainda que parciais, da própria classe trabalhadora, para justificar que ao invés de se expandirem as instituições públicas e se abrirem novas universidades, se financiassem grandes capitalistas na educação nacional. Embora esses programas significassem diminuições na arrecadação do estado por meio de impostos e contribuições sociais, não significou a redução das transferências de recursos públicos para os capitais privados, que endossaram esses recursos diretamente nos seus caixas e distribuíram ele sobre a forma de lucro de juros e dividendos aos seus acionistas nas bolsas de valores, principalmente nos períodos de crise. E não só no Brasil, porque muitos desses fundos são na realidade fundos internacionais. Assim, recursos do estado brasileiro sequer foram colocados na mão desses capitalistas para se realizarem dentro da economia nacional, eles se realizaram nos países de capitalismo central, compensando parte das perdas que esses países tiveram em períodos de crise.


Olhando para o que é despendido com o custeio das universidades federais, em comparação com o Fies, o Prouni e despesas orçamentárias com instituições sem fins lucrativos, nota-se que as transferências são muito significativas. Seria possível custear a metade de todas as instituições universitárias federais brasileiras só com o orçamento que foi despendido em 2017, para esses capitalistas embolsarem como lucro. Neste ponto, Allan destaca mais uma problemática, que é a escolha por uma expansão provisória do ensino superior, ao invés de permanente. Isso porque o estudante financiado hoje, tem sua vaga encerrada ao se formar. Diferente de quando se financia a expansão de uma universidade federal, em que a vaga que o primeiro estudante ocupou permanece. A expansão das universidades públicas permanece como um presente para as futuras gerações. É dramático a transferência desses recursos para serem reembolsados como lucros, ao invés de se fazer uma escolha de expansão das instituições universitárias. Além de melhorar suas infra-estruturas, contratar mais professores, mais técnicos administrativos em educação e assim por diante.


Allan encerrou sua fala trazendo alguns últimos apontamentos teórico-metodológicos com base no que pôde identificar no seu próprio processo de formação como pesquisador e que atribui as referências à sua orientadora, Olinda Evangelista e a autores como Roberto Leher e José Paulo Netto. Destaca-se, entre estes, os seguintes apontamentos: a importância de desenvolver formas de sistematizar e divulgar dados que os capitais buscam apagar para obliterar o potencial de diagnóstico da educação nacional que tais dados possuem; ter em vista que não dá para atribuir certas políticas apenas a um governo, pois há políticas que são do capital e das relações capitalista, ultrapassando governos; não restringir a análise a cumprimento de metas previstas em documentos e legislações, pois há intencionalidades não declaradas de que certas metas de fato não se realizem. Por fim, aponta para um cuidado quanto a afirmações de falta de recursos para o financiamento da educação pública nacional, pois há uma política de expansão dos monopólios, que é uma financeirização da educação, e que na verdade transfere os recursos da educação pública para os fundos dos grandes capitais por trás dos monopólios.


O espaço ainda contou com um momento de debate, contribuições e dúvidas de demais pesquisadores que estavam acompanhando, visando explorar melhor alguns dos aspectos inicialmente explanados por Allan em sua apresentação.




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